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RAS Cultura
RAS Cultura

 

Jornalismo: Alysson Silva.

::. Introdução

O movimento rastafari ou rastafarianismo nasceu da conjunção de fatores sociais, políticos, econômicos e culturais. Foram acontecimentos que marcaram uma época de grandes mudanças na consciência de povos do mundo inteiro. Na primeira metade do século XX, os anos de 1900, a humanidade parecia estar vivendo, coletivamente, um processo de revisão e prova de verdadeira evolução. Grandes acertos eram comemorados, como os avanços tecnológicos; por outro lado, erros monumentais eram cometidos; um paradoxo porque, naquele mesmo momento, vozes do mundo inteiro faziam ouvir seus protestos reclamando reparação para as grandes feridas abertas pelas arbitrariedades de incontáveis gerações do passado. 

Neste contexto, os clamores mais veementes partiam do continente Africano, completamente exausto e caótico em conseqüência dos abusos cometidos pela colonização européia. Na África, os movimentos negros emergiam buscando o resgate da auto-estima étnica e cultural e o rastafarianismo apareceu como um ponto de encontro ideológico que oferecia fortes símbolos representativos de valores de indentidade.

A origem filosófico-religiosa da doutrina rastafari é dupla do ponto de vista histórico e geográfico. Por volta dos anos 30, em dois lugares distantes entre si, um mesmo espírito de renovação se erguia. Mobilizações político-culturais que agitavam a Etiópia tiveram uma notável repercussão na Jamaica. Naquela época, a Etiópia era uma monarquia teocrática governada pela mítica dinastia dos descendentes do bíblico rei Salomão, fruto de sua união com a não menos lendária rainha de Sabá (ou Sheba). Esta, governava uma vasta região ao sul daquele país. Estes herdeiros mantiveram a linhagem e o trono ao longo de milênios e em 2 de novembro de 1930, aos 38 anos, Ras Tafari Makonnen foi coroado como o novo governante do império Etíope.



Anos antes, na Jamaica, Marcus Garvey (1887-1940), um militante da causa negra, havia literalmente profetizado o surgimento de um "Salvador", um Messias cuja missão seria resgatar a dignidade das comunidades negras. Garvey foi o criador da Universal Negro Improvement Association, entidade que se tornou porta-voz das insatisfações da classe trabalhadora negra norte-americana. A coroação de Ras Tafari foi recebeu ampla cobertura da mídia internacional. Quando os jornais, estampando a fotografia do rei, chegaram à Jamaica, Garvey declarou que o momento havia chegado. Ras Tafari era o escolhido de Deus. Ao receber do clero etíope (um dos mais antigos da Igreja Cristã Ortodoxa) a coroa, o cetro, o manto dourado e a espada sagradas da disnastia salômonida, o "Príncipe sem Medo" passou a ser chamado de Haile Selassie I - nome que significa "Poder da Divina Trindade". Em Kingstone, as notícias que chegavam sobre os primeiros atos do novo rei repercutiam de modo especial. Muitos cidadãos pertencentes às classes pobres e militantes políticos viram a coroação como a realização de uma das profecias do líder Garvey. Ele afirmara anos antes: "Olhem para a África! Quando um rei for coroado o dia da redenção terá chegado".

O MESSIAS NEGRO

A figura e a história de Haile Selassie estão na base da teologia cristã-rastafari. Na Etiópia, o herdeiro do trono de Davi os tenta, entre outros títulos, os de Rei dos Reis e Senhor dos Senhores. Por seu enorme carisma e forte liderança em favor das nações e etnias oprimidas, em todo o mundo, Selassie começou a ser considerado como "Cristo", em sua significação original, Chrestos, ou seja, ungido, o Filho de Deus, reencarnação do próprio Jesus de Nazaré.

Seu nascimento foi associado a antigas profecias. De fato, Marcus Garvey não foi o primeiro a profetizar a vinda de um Salvador que haveria de redimir os injustiçados. Teólogos analisavam os fatos e encontravam conexões entre Ras Makonnen e previsões contidasna Bíblia católico-cristã, nos livros sagrados dos judeus e nos Evangelhos Apócrifos (textos contemporâneos aos quatro evangelhos oficiais mas desconsiderados pela Igreja Católica Apostólica a Romana). Para os rastafaris, o anunciado retorno de Jesus, ou do Messias, ocorreu em 23 de julho de 1892, quando Ras Tafari veio ao mundo, filho de nobres descendentes da Casa de Davi em terras africanas. Seu pai, Ras Makonnen Wolde Michael era um governador de região, um cargo hereditário. O jovem Tafari foi educado como cristão ortodoxo (da Igreja Ortodoxa do Oriente). Estudou na Etiópia e na França. Era versado nas escrituras sagradas da mais diversas correntes do cristianismo e do judaismo. Conhecia obras raras o Kebra Nagast (A Glória dos Reis), uma Bíblia judaica africana cujo original remonta mil anos atrás, e também o Livro de Enoch, os Livros de Moisés, o Livro do Éden, os 31 volumes da Bíblia hebraica tradicional e os 21 livros canônicos (oficiais) do Novo Testamento. Como futuro governante de um território, foi iniciado nas artes de guerra e na equitação de batalha. "Lig" - Conde Tafari era também Iniciado em mistérios da natureza e diziam que era capaz de conversar com leões e leopardos. 


A DISNASTIA DE SALOMÃO NA ÁFRICA

No Kebra Nagast, conta-se que o Rei Davi, o primeiro govenante judeu do chamado Período dos Reis da história dos judeus, desposou Betsabé, uma descendente de judeus negros. O casal gerou o histórico Salomão, que suscedeu o pai e gerou um filho com a Rainha Sheba (a Rainha de Sabá), imperatriz de terras ao sul da Etiopia. Como legado ao herdeiro, Salomão confiou à Rainha um anel de diamante ornamentado com afigura do Leão de Judah.O garoto foi chamado Menelik, Bayna-Lehkem ou, o "Filho do Sábio", e consta que teria visitado as terras de Israel onde conheceu seu pai e com ele foi iniciado no judaísmo. Foi assim que o Reino de Davi se estabeleceu na Etiópia há três mil anos e a Dinastia, bem como o anel de diamante, atravessaram os séculos até se extinguir com a morte de haile Selassie. Além dos títulos de rei dos Reis (Negus Nagast) e Senhor dos Senhores, o trono etíope agregava outros tantos atributos que reforçavam a autoridade religiosa do imperador; ele era o Leão de Judah, o Eleito de Deus, o Messias Negro. 

I. Haile Selassie: A Voz da África

As primeiras décadas do governo de Haile Selassie foram marcadas por intensas atividades administrativas e diplomáticas. Já em 1931, ele promulgou a primeira constituição etíope e instituiu o Parlamento. Construiu escolas e hospitais, promoveu reformas no sistema tributário, na administração e nos serviços públicos. Criou as Linhas Aéreas, o Banco da Etiópia e uma nova moeda, o dólar etíope. Em 1935 sobrevieram o terror e a guerra com a invasão do território etíope pelas tropas de Mussoline. Milhares de civis foram massacrados. 

A esssa altura, Haile Selassie tinha inimigos em casa: a Igreja negava apoio em represália aos tributos cobrados sobre suas terras; as classes mais abastadas estavam descontentes com a perda de privilégios. O impasse bélico-político culminou com o Imperador exilado na Inglaterra, em 1936. Nos anos seguintes, Selassie prosseguiu em sua luta diplomática, especialmente na Tribuna da Liga das Nações e, posteriormente, na ONU, onde proferiu numerosos discursos. No primeiro destes pronunciamentos, no exílio, falando sobre o neocolonialismo italiano que atacava seu país, Selassie sentenciou: "Vocês jogaram um fósforo aceso na Etiópia, mas ele vai queimar toda a Europa." (Selassie Apud Imssembly for Rastafari National Education, 2001).

Na Etiópia, proliferavam guerrilhas e revoltas contra o domínio italiano. Com o advento da Segunda Guerra Mundial, a voz da África finalmente foi ouvida: em 1940, os ingleses alinhavam-se ao lado do povo etíope. Em abril de 1941, com a ajuda do exército bretão, o "Leão de Judah" derrotou os facistas e retornou a seu país. Os trabalhos recomeçaram: os escravos foram libertados e uma reforma agrária entrou em curso. Uma nova constituição foi promulgada, em 1955. Em 1963, a Etiópia era uma das nações líderes na formação da Organização da Unidade Africana (OUA) que reuniu trinta países do continente e que até hoje tem sua sede em Adis Abeba (capital etíope). 

Em 1974, o reinado de Selassie chegou ao fim. Ele contava 82 anos e o muito que tinha feito pelo desenvolvimento de sua terra não foi suficiente. Grandes mazelas ainda fustigavam a população, com 95% de analfabetos e altos índices de desemprego. A classe política estava contaminada pela corrupção e a fome, associada ao fantasma da seca, matava dezenas de milhares de pessoas. Os jovens se mobilizavam exigindo liberdade de imprensa e a instituição de um regime democrático, com a criação de partidos. Um golpe militar foi o desfecho desta trama de tensões. Selassie foi preso e sua família exilada, na Europa e nos Estados Unidos. O "Messias Negro" morreu em circunstâncias misteriosas, sob a custódia dos militares, em 25 de agosto de 1975. 

Segundo versão não-oficial, ele teria sido estrangulado. Seus ossos foram guardados em uma caixa que trazia os dizeres "Não Mexa". As autoridades não sabiam o que fazer com aquilo. Em 5 de novembro de 2000, os restos mortais de Haile Selassie foram enterrados na Igraja da Santíssima Trindade. O anel de Salomão, que lhe fora confiado na época da coroação, migrou com a família do "Ras Negus" e no final dos anos de 1970, foi oferecido como presente a Bob Marley, em Londres, por Asja Woosen, um dos filhos de Selassie. Depois da morte do artista, ele também, Marley, considerado como um rei - Rei da Reggae Music, o anel desapareceu; um mistério ainda para ser desvendado. 

PALAVRAS DO REI


Durante, 44 anos, tempo em que foi Imperador da Etiópia, Haile Selassie destacou-se entre todos os líderes mundiais que militaram em favor de um mundo melhor. Entre os chefes de estado africanos, foi o principal articulador da realização do ideal de uma África livre e desenvolvida. Empreendeu viagens diplomáticas a numerosos países, chamando atenção para as questões da Etiópia e do continente como um todo. Seu apelo, "Olhem para a África", frutifica até hoje, inspirando movimentos negros, mantendo a África como um vetor (uma força) fundamental na equalização das forças socio-políticas atuantes no planeta. Na sessão abaixo, estão relacionadas algumas das falas de "Ras Selassie", que jamais temeu tocar no nome de Deus nas tribunas internacionais. Nos exemplos aqui relacionados a impõe-se, notavelmente, a atualidade das idéias do Leão de Judah.


Além do Reino de Deus, não há governo humano que tenha mais mérito que outro. Mas, nesta Terra, quando um governo poderoso acredita que está certo eliminar outra nação, contra a qual nenhuma ofensa possa ser imputada, então chegou a hora do prejudicado trazer os males que vem sofrendo perante a Liga das Nações. Deus e a História estarão observando, como testemunhas, o julgamento que será dado aqui. (Primeiro pronunciamento de Haile Selassie na Liga das Nações, 1936)

Muito espaço tem sido dado aos ricos em suas ações contra a vida humana neste planeta, como a corrida armamentista, mas pouco divulgados são os efeitos colaterais e as conseqüências indiretas dos gastos militares astronômicos. O desarmamento deve ser empreendido para que assim possa se extinguir a ameaça do holocausto mundial. Com uma drástica redução dos orçamentos militares serão liberados os recursos necessários para erguer todos os seres humanos à condição de homens realmente livres. (Conferência de Belgrado, 1961)

Devemos olhar, primeiro, para Deus Todo Poderoso, que levantou o homem acima dos animais e lhe deu inteligência e razão. Nele devemos colocar nossa fé, pois Ele não nos deixará e não permitirá a destruição da humanidade, que Ele criou à sua imagem. Devemos olhar para nós mesmos, para o fundo das nossas almas. Devemos nos transformar em algo que nunca fomos antes. Nossa educação, experiência e ambiente nos prepararam mal. Devemos nos tornar maiores do que temos sido, mais corajosos, mais altos de espírito, com uma visão de maior alcance. Devemos nos tornar como uma nova raça, ultrapassando pequenos preconceitos, prestando nossa lealdade não às nações mas, sobretudo, aos nossos irmãos e à comunidade humana. (ONU, outubro - 1963)

Nós, africanos, ocupamos uma posição diferente; na verdade, única entre as nações deste século. Tendo sofrido opressão, tirania e jugo por tanto tempo, quem teria mais direito de reclamar melhores oportunidades e o direito de viver e crescer como homens livres? Não teríamos nós o direito de levantar o clamor pela justiça para todos? Reivindicamos o fim do colonialismo, porque a dominação de um povo por outro não é correta. Reivindicamos o fim dos testes nucleares e da corrida armamentista porque estas atividades representam terríveis ameaças para a humanidade e um desperdício material e cultural. Isto tudo é um grande erro. (Pronunciamento aos Líderes Africanos. Adis Abeba - 1963).

O que os países economicamente atrasados estão buscando (...) é a aplicação do dinheiro hoje desperdiçado com armamentos na solução de problemas socio-econômicos. Os grandes desafios que enfrentamos atualmente são dois: a preservação da paz e a melhoria das condições de vida daquela metade do mundo que é pobre. Estas duas questões são, é claro, interdependentes. Sem a paz, é inútil falar da melhoria das condições de vida da humanidade e sem tais melhorias, garantir a paz torna-se muito mais difícil. Estes dois problemas devem ser atacados simultaneamente (...) Uma das tragédias de nossos dias é que a metade da humanidade se vê às voltas com a fome, nunca satisfeita, a pobreza, a ignorância, a doença. Se as grandes quantias gastas pelos governos com a invenção e fabricação de armas fossem redirecionadas para atender às necessidades vitais dos homens de todo planeta, estes homens poderiam resgatar sua dignidade, sua felicidade e sua confiança, sua fé no futuro. (Cúpula da Organização da Unidade Africana - OUA. Cairo - Egito, 1964).

 

 

II. Cultura Rastafari: Simbologia

O rastafarianismo está nas enciclopédias da pós-modernidade. A Webster brasileira define o movimento nos seguintes termos:

Movimento político e religioso em expansão, originário do culto jamaicano que reverencia o imperador etíope Haile Selassie I como personalidade divina. O movimento foi influenciado por ativistas negros da década de 1930, principalmente Marcus Garvey (...) O rastafarianismo combina elementos das religiões africanas, (...) narrativas bíblicas e cultura afro-caribenha. Seus adeptos acreditam que os negros são as tribos perdidas de Israel, que serão redimidas com o retorno à África. O movimento não tem igreja nem clero, e a prática ritual é espontânea. 

Os rastafarianistas, ou rastafaris, expressam seu sentimento de fraternidade através de determinados símbolos: o estilo do (que não é cortado e forma longas tranças), a utilização das cores nacionais etíopes (vermelho, preto, verde e amarelo ouro), hábitos alimentares (evitam a carne de porco) e o ocasional uso da cannabis (maconha) como forma de ajuda à meditação. A música popular jamaicana, especialmente o reggae, com destaque para o cantor e compositor Bob Marley (1945-1981), constitui um meio popular de disseminação das idéias rastafarianas. 

(WEBTER/LARROUSSE, V.II - p 819. São Paulo: Folha da Manhã, 1997)

O papel de Haile Selassie no universo rastafari está ligado aos aspectos religiosos e socio-político-ideológicos que orientam a postura ou comportamento "rasta". A aura messianica do "Leão de Judah" constitui uma força de comunhão com ideais de paz, solidariedad entre os povos e amor universal além da valorização de todos os signos relacionados à afro-cultura, no continente africano e no mundo. 

A trajetória do rei etíope, suas idéias, sua imagem, sua biografia, alcançaram grande repercussão internacional graças à intensa divulgação nos mídia (meios de comunicação). Foi através das manchetes de jornais do mundo inteiro que Selassie chegou à Jamaica, onde Marcus Garvey reconheceu nele o Messias, o Salvador do povo negro profetizado pelo próprio Garvey aos antes.

Desde o princípio, a orientação ideológica foi acompanhada de expressões estético-artísticas correspondentes; na música, em ritmos como o ska, rocksteady e o reggae; nas cores das vestimentas, com a predominância do verde, amarelo e vermelho em contraste com o negro, em túnicas e calças de tecidos leves e corte amplo; nos cabelos longos, nunca cortados e trançados ou segmentados naturalmente em grossos cachos, um visual hoje denominado dreadlook. 

A cultura rastafari inclui, ainda, o resgate de tradições místicas relacionadas à dança, uso e fabricação de tambores e outras peças de artesanato, práticas curativas e crença no poder das palavras, herança da cabala de Salomão, que atribui um poder transformador da realidade aos sons da fala, conhecimento ocultista (esotérico) que se resume na legenda: Palavra, Som e Poder. 

SIMBOLOGIA


A significação dos elementos estétio-artísticos da cultura rastafari está relacionada com suas origens doutrinárias onde se misturam símbolos antigos e contemporâneos. Quando se fala em "rastafari" certas imagens mentais são evocadas imediatamente, como "reggae music". Dreadlook ou a alegria, a vivacidade das cores predominantes em roupas e objetos. Cada um destes elementos tem sua razão de ser, sua explicação.

CORES

O verde, o vermelho e o amarelo são as cores da bandeira nacional da Etiópia, onde aparecem com o mesmo significado vigente entre os rastas e representam:

VERDE: terra e esperança / AMARELO: a Igreja e a paz / VERMELHO: poder e fé

São, portanto, cores representativas de valores tanto materiais (físicos) quanto metafísicos (ou espirituais). O físico, no verde, se relaciona à Terra-Mãe, natureza, fauna, flora tão exuberantes, na África, assim como no Brasil, fonte de vida e prosperidade, terra provedora de abrigo e alimento. O aspecto metafísico do verde é a esperança porque esta cor está ligada, nas tradições esotéricas mais antigas, aos fenômenos de renovação. No Taro, oráculo de cartas de origem hindu-egípcia, a carta XX, tem o verde como cor destacada. O arcano (a carta) chamado O Julgamento, mostra três figuras que se erguem de um túmulo diante de um anjo apocalíptico, uma cena de ressurreição.

Nos tons do amarelo e do vermelho se concentram outros significados subjetivos. A Paz, condição necessária a uma existência saudável; a Igreja, como força social de união entre os povos; o poder, como capacidade de realização de metas, de transformar sonhos em realidades e, finalmente, a Fé, sem a qual estas capacidades não podem ser alcançadas. É pela fé que se mantém a persistência rumo a um objetivo não obstante os numerosos obstáculos que se interponham entre uma pessoa e suas aspirações mais elevadas.

DREADLOOK


Como já foi mencionado acima, o dreadlook se refere ao estilo ou visual dos cabelos. Muitas "tribos urbanas" adotam estilos característicos de cabelo (ou não-cabelo!) como signos de identidade. Basta mencionas os rockers e hipies clássicos, que usam cabelos longos; os punks radicais, chamados skinheads (carecas) ou os punks moderados e os góticos, com cabelos arrepiados e tingidos. 

Os rastafaris não cortam os cabelos nem se preocupam em "domar" suas cabeleiras à custa de pentes e escovas furiosas, chapinhas (pequenas plataformas de ferro aquecido para alisar cabelos) ou produtos químicos. Os cabelos rasta crescem livremente e são cuidados com procedimentos normais que atendem simplesmente à higiene e a arrumação para fins práticos, com o prender ou usar uma touca em circunstâncias de trabalho. Há quem duvide mas os rastafaris lavam seus cabelos; apenas não usam gel, nem mousse ou laquê...

As tranças ou mechas são cultivadas desta forma por razões filosofico-religiosas e identitárias. Os rastafaris argumentam que o crescimento contínuo dos cabelos é condição natural da bioquímica do organismo humano, idéia que se combina com a evidência de queesta bioquímica é uma determinação de Deus, e a vontade de Deus é soberana. (A pelagem dos cavalos, das zebras ou das axilias e região pubiana, por exemplo, não crescem ad infinitum!). Por outro lado, o dreadlook remete à imagem da juba de um leão, animal que, enquanto símbolo, expressa várias idéias: rei (dos animais), força, coragem, dignidade. 

Historicamente, cada soberano da Dinastia do Rei Salomão, do Trono de Davi, recebe, com o cetro e a coroa, o título de "Leão de Judah", figura enigmática identificada como "aquele que resgata o Reino de Deus". Esotericamente, o leão refere-se ao retorno de Cristo (o Messias, o Salvador), que veio ao mundo há mais de dois mil anos atrás como "cordeiro de Deus". Dizem os profetas que a Segunda vinda do Messias ocorre nos seguintes termos: "o cordeiro voltará como leão". Para os rastafaris, este retorno já ocorreu e o Leão de Judá foi Haile Selassie, como foi explicado nos tópicos anteriores.

MÚSICA

A música rastafari, ao contrário da clássica concepção estética kantiana (de Emmanuel Kant), não se enquadra em questões de 'juizo de gosto" nem é uma atividade gratuita, objeto daquela contemplação conceitualmente vazia de "arte pela arte". A rastamusic é o que os teóricos Modernos e Contemporâneos consideram, com o horror de uma normalista, uma arte "utilitária", pelo simples fato deser música feita com claros objetivos político-ideológicos e metafísicos, que transcendem à comunicação artística de mero entretenimento.

Para além da difusão de ideais socio-políticos, as composições, em sua harmonia, ritmo e timbres dos instrumentos, buscam sintonia com o pulsar de um coração tranquilo e, por isso, estas composições são chamadas de "música do coração" ou heart beat. O uso da percussão com objetivos místicos e psicológicos tem raízes milenares não somente na África mas também na Ásia, em culturas antigas de países como Índia, China e Japão, sem falar dos povos pré-colombianos e dos povos indígenas brasileiros. Os sons dos tambores e de outros objetos percussivos, diferentes entre si e combinados na "batida" do reggae, é um meio de conexão com a divindade, de acordo com o conhecimento ocultista, que considera o som como a primeira manifestação de Deus em sua criação de todas as coisas. 

Está escrito no Gênesis: "No princípio, era o Verbo"; e o Verbo é palavra; e palavra, expressão objetiva do pensamento, concretismo sutil do mais abstrato, é som. A física atual já pode confirmar este ensinamento bíblico, uma vez que foi detectada uma vibração sonora presente em todo o cosmos conhecido até agora. A análise científica revelou que tal vibração, chamada "ruído de fundo" ou "reverberação residual", trata-se de um campo energético cuja idade se confunde com a origem do Universo, ou seja, tem a idade do Big Bang.

Outro aspecto da importância da música na cultura rasta é de natureza psicológica, aspecto este igualmente aceito pela ciência. Experiências laboratoriais já provaram exaustivamente que a música interfere no estado de espírito, ou humor, não apenas dos homens, mas também dos animais e até das plantas. Há músicas excitantes, outras depressivas e outras ainda, como o reggae (bem como a newage music e os cantos gregorianos, o canto-chão) que são tranquilizantes, capazes proporcionar um estado mental de serenidade, apaziguando emoções violentas e, por conseguinte, melhorando o desempenho da inteligência como um todo. 

Este poder tranquilizador da rastamusic é reforçado pelas letras das canções, que contêm mensagens de paz, amor e dignidade. É um tipo de sonoridade capaz de despertar a divindade que, em sua onipresença, reside dentro de cada um, por vezes oculta, mas sempre ali, esperando apenas um pequeno chamado para se manifestar. Cantando os versos de um reggae, proferindo repetidas vezes afirmações positivas, acredita-se que é possível, efetivamente, transformar a realidade. Esta é uma concepção que, mais uma vez, encontra respaldo nas tradições esotéricas que professam o ensinamento: "Falar é Criar". 

III. Sêlo de Salomão


A estrela de seis pontas é um símbolo muito conhecido, usado como talismã, amuleto atrativo de energias positivas recomendado contra qualquer tipo de adversidade, natural ou "sobrenatural". É confecionada como figura ou objeto e atualmente pode ser encontrada ornamentando ambientes, roupas, publicações e objetos como medalhas, pingentes e anéis. 
Nos livros de todos os bons mestres ocultistas do Ocidente existem comentários a este símbolo, também conhecido como Estrela de Davi e Sêlo de Salomão, denominações que indicam sua antiguidade. De fato, a estrela com seis pontas remonta às eras pré-cristãs, época veramente nebulosas, e não é uma exclusividade da cultura judaica; ao contrário, pertence ao acervo de signos mágicos de diferentes povos em diferentes épocas. 

A estrela é um legado que os patriarcas de Israel receberam no contexto do sincretismo religioso resultante do encontro das culturas hindu-arianas (Índia) e semitas da Mesopotâmia (atual Iraque). Desde Abraão, a estrela atravessou séculos até chegar ao Rei Salomão, filho do Rei Davi. Os segredos da estrela foram revelados a Salomão como parte de sua iniciação nos Mistérios de Deus. Salomão, ícone representativo de sabedoria, foi, realmente, um Mago, ou seja, um conhecedor de forças metafísicas. A "lenda histórica" conta que Salomão obteve a revelação das Ciências Ocultas de fonte divina, Ciência esta que consiste na Cabala Judaica, "magia" das relações de poder entre números e palavras.

A Cabala trata do controle da energia mental (ou pensamento) através de um sistema de rituais (ações repetidas) onde se destaca a utilização de símbolos acompanhados de invocações (falas, chamados, fórmulas verbais, versos, orações). A estrela de seis pontas é considerada o mais poderoso dos símbolos mágicos cabalísticos, usado como objeto de meditação sempre que se deseja uma conexão com Deus. 

Tal meditação pretende alcançar um estado de consciência, que não é sono nem vigília, caracterizado pela experiência de esquecimento ou abstração do Ego pessoal (a personalidade condicionada pelo mundo) e consequente sentimento de identificação com o Eu Real, o Eu superior que é Uno ou indissociável do Criador de Todas as Coisas. Esta unidade do homem com Deus é a razão pela qual todas as religões do mundo afirmam que "Deus está dentro de cada um de nós". O "Namastê", cumprimento dos japoneses, significa "O Deus que habita em mim saúda o Deus que habita em Você".

FUNDAMENTOS PITAGÓRICOS

Pitágoras foi um filósofo grego dedicado a estudos matemáticos e reconhecidamente um Iniciado Ocultista. Em seu sistema de explicação da realidade, considerava o "Número" como matriz metafísica do universo objetivo, ou seja, a realidade emana de combinações de "entidades numéricas" realizadas num plano ontológico sutil (plano de Ser abstrato, não físisco), não perceptível aos sentidos humanos. Quando Pitágoras diz "Número" está querendo significar ser ou seres metafísicos e primordiais. Cada número, em escala de 1 a 9, representa uma "entidade metafísica" ou uma realidade, uma situação metafísica que evolui até se projetar em uma realidade concreta.

Na física subatômica, partículas matrizes (eletróns, prótons, neutrons, mésons, pósitrons, etc.) se combinam de maneiras diferentes na composição de substâncias diferentes. Na física atômica, elementos (hidrogênio, oxigênio, hélio) estabelecem "ligações" formando compostos, como a água - H2O ou 2 átomos de hidrogênio e 1 átomo de oxigênio. Note-se que partículas e átomos, invisíveis aos olhos humanos são constituintes de toda a matéria perceptível inclusive os corpos das criaturas. Isto demonstra como, a partir da dimensão do invisível surgem as criaturas na dimensão do visível, ou ainda, o que é invisível para a vista dos homens pode ser tornar visível com um dispositivo ótico mais poderoso, como um microscópio eletrônico.

GEOMETRIA & MATEMÁTICA DA ESTRELA

A relação da Estrela de Davi com a Cabala e por conseguinte com a matemática reside em um fato evidente: a estrela é uma figura geométrica e, portanto, diretamente associada às relações entre grandezas matemáticas. Como figura geométrica, a estrela é composição de dois triângulos equiláteros (triângulo que tem os três lados iguais e portanto os três ângulos proporcionalmente iguais) e de iguais dimensões (com igual comprimento dos lados). Estas igualdades são um primeiro indicativo de equilíbrio da figura.

Matematicamente, à primeira vista, a estrela está associada ao número 6. Ocorre que este número é um número composto, ou seja, é decomponível, como uma substância química composta homogênea é decomponível em um laboratório. A divisão de um número aos seus componentes mínimos chama-se redução. A redução revela quais são os valores que se relacionam na produção de um resultado. O6, reduzido, mostra uma relção entre 3 e 2

6 = 3x2 e é necessário falar essa proposição para perceber seu significado amplo "3 multiplicado duas vezes", ou um "3" que "se torna em "dois 3". Em operação de soma, 6=3+3 e ambas as operações, adição e multiplicação são apenas códigos que representam uma igualdade abstrata: 3x2= 3+3 =6. Decompor um número é como descobrir os genitores, a origem, o como se constituiu este número. Pitagorigamente, decompor um número é encontrar a essência de um Ser. Conhecendo o número que representa um Ser ou uma situação da realidade terrena, poder-se-ia, teoricamente, conhecer a essência, a causa primordial de tal Ser ou situação.

PODER DA ESTRELA

Quem usa a estrela, como um objeto, um colar, um anel, ou coloca sua figura em um ambiente, está fazendo uma declaração de adesão aos significados que ela encerra. Voltando à "entidade metafísica Número 3", ainda de acodo com Pitágoras e numerosos outros mestres esotéricos, tal Número corresponde a uma "entidade" muitíssimo elevada em termos espirituais ou, de pureza energética: Aquele a quem todo mundo chama de Deus e que todas as religiões descrevem como sendo "o Um que é Três".

A teologia católico-cristã ocidental reconhece esta concepção à qual denomina de Santíssima Trindade explicando que EM Deus, que é UM, coexistem TRÊS aspectos que se manifestam no ato de Criação. Estes três aspectos são: Pai, Filho e Espírito Santo. Criador, Criatura e a Mente Una, esta última, que opera a união indissoluta dos dois primeiros. Quanto ao modo como Deus pode ser TRÊS EM UM, esta é uma questão cuja resposta é simplesmente inacessível à inteligência humana no seu estágio atual de evolução. Os teólogos chamam esta condição de inacessibilidade de "Mistério".

Uma vez que se admita DEUS TRÊS EM UM é preciso esclarecer que este é o estado do Ser Criador em circunstância de repouso, de não-criação, estado também misterioso que o hinduismo denomina Pralaya ou Noite de Brahma. Os físicos contemporâneos afirmam, de forma semelhante, que o Universo existe em dois estados simultâneos que compreendem o SER e o NÃO-SER, ou ainda, Universo Objetivo e Universo Subjetivo. O triângulo com o vértice (ponta) para cima é uma representação geométrica de Deus em seu estado mais puro e elevado, sutil, abstrato, não manifestado. 

Quando Deus se manifesta ou cria, projeta suas infinitas possibilidades de SER em uma constituição densa, material, física, concreta, em uma escala ontológica (de formas de ser) que compreende diferentes graus materialidade. Retomando a análise do triângulo: voltado para cima, representa Deus em sua misteriosa condição de Trindade, a Realidade Celestial ou Espititual. Em oposição, o triângulo com vértice para baixo, significa a Criação de Deus, Realidade Terrena ou Material. A estrela de seis pontas é, portanto, o signo da união dos dois triângulos e, portanto, signo da união entre Criador e Criatura, do Homem unido a Deus.

O SÊLO DE SALOMÃO - No ocultismo ocidental

Representação do Sêlo de Salomão
criado por Eliphas Levi, publicado
em Dogma e Ritual da Alta Magia. 

Moisés desce do Sinai com as Tábuas da Lei. Na arte de Clara Pechansky, o Sêlo já é anterior a Salomão.


EXPLICAÇÃO DE ELIPHAS LEVI

Em sua obra Dogma e Ritual da Alta Magia, o ocultista francês do século XIX, Eliphas Levi, inclui o seguintes comentários sobre o Selo de Salomão:

O verbo perfeito é ternário, porque supõe um princípio inteligente, um princípio que fala e um princípio falado. (...) O ternário está traçado no espaço pela ponta culminante do céu, o infinito em altura, que se une por outras linhas retas ao oriente e ao ocidente. Mas a esse triângulo visível, a razão compara outro triângulo invisível, que ela afirma ser igual ao primeiro; é o que tem por vértice a profundeza e cuja base virada é paralela à linha horizontal que vai do oriente ao ocidente. 

Estes dois triângulos, reunidos numa só figura, que é a de uma estrela de seis raios, formam o signo sagrado do sêlo de Salomão, a estrela brilhante do macrocosmo. A idéia do infinito e do absoluto é expresssa por este signo, que é o grande pentáculo, isto é, o mais simples e o mais completo resumo da ciência de todas as coisas. A própria gramática atribui três pessoas ao verbo. A pessoa que fala; a pessoa a quem se fala; a coisa de que se fala (pronome pessoal em primeira pessoa, pronome pessoal em terceira pessoa e objeto). O princípio infinito, ao criar, fala de si mesmo para si mesmo. (LEVI, p 90. Pensamento, 1993)

...as formas são proporcionais e analógicas à idéias que as determinou; são o caráter natural, a assinatura desta idéia (...) e desde que evocamos ativamente a idéia, a forma se realiza e se produz. (...) O duplo triângulo de Salomão é explicado por São João de modo notável. Há, diz ele, três testemunhos no Céu: o Pai, o Logos (Filho) e o Espírito Santo, e três testemunhos na Terra: o enxofre, a água e o sangue. São João está, assim, de acordo com os mestres da filosofia hermética (...) o enxofre significa "o éter" (espírito), a água é anima, a força vital e o sangue, é a carne a matéria, a terra, os corpos. (...) No grande círculo das evocações (operações mágicas), ordinariamente é traçado um triângulo, e é preciso observar bem de que lado deve ser posto o seu cimo. 

Se supõe que o espírito vem do céu, o operador deve ficar no cimo e colocar o altar da fumigações na base; se deve subir do abismo, o operador ficará na base (...) Além disso, é preciso ter na fronte, no peito e na mão direita o símbolo sagrado dos dois triângulos reunidos, formando a estrela de seis raios (...) e que é conhecida, em magia, sob o nome de pentáculo ou Sêlo de Salomão." (LEVI, p 254. São Paulo: Pensamento, 1993.)

COMENTÁRIO DE MADAME BLAVATSKY


Helena Petrovna Blavatsky, fundadora da Sociedade Teosófica, cujo lema é "Não há religião superior à verdade" e cuja filosofia resgata textos sagrados hindus, também comenta o significado da estrela, que adverte "é errôneamente denominada Sêlo de Salomão", no quarto volume de A Doutrina Secreta:

... o número seis foi considerado nos Antigos Mistérios como um emblema da Natureza física porque o seis é a representação das seis direções de todos os corpos, as seis direções que compõem a sua forma, a saber: as quatro direções que se estendem no sentido dos quatro pontos cardeais, norte, sul, leste e oeste, e as duas direções de altura e profundidade que correspondem ao Zênite e ao Nadir. (...) A mesma idéia se encontra no duplo triângulo equilátero dos hindus (...) no seu país chamado signo de Vishnu, o Deus do Princípio Úmido e da Água (...) o triângulo inferior, com seu vértice voltado para baixo, é o símbolo de Vishnu (...) ao passo que o triângulo com o vértice para cima, é Shiva, o Princípio do Fogo... (BLAVATSKY - v. IV - p 161. São Paulo: Pensamento, 2003). 

IV. Patois: O sincretismo mantrico da linguagem Rastafari


Os rastafaris, assim como tantos outros nichos culturais de todos os lugares do mundo, possuem uma maneira própria de se expressar, de usar a língua. O mais comum é a adoção de um vocabulário básico, constituído de gírias, que são derivações fonéticas de palavras ou neologismos, palavras criadas, cujo sentido escapa a terceiros, não pertencentes ou não familiarizados com determinado grupo (ou tribo cultural). O fenômeno da criação e utilização de gírias é parte de um processo natural de constituição de uma identidade, de um SER ALGUÉM. 

No caso dos rastafaris, este recurso gerou um repertório, (vocabulário ou léxico) e uma gramática com semântica e léxico (vocabulário) tão peculiares que a fala dos rastas certamente se aproxima do status de um dialeto, uma língua secundária. A linguagem rastafari surgiu na Jamaica, ilha do Caribe que foi um importante centro da monocultura latifundiária de diferentes momentos do ciclo da cana-de-açúcar (período da economia ocidental em que predominou o comércio da cana-de-açúcar). Por esta razão, econômica, a Jamaica foi um pólo receptor de mão-de-obra escrava, negros provenientes de diferentes regiões da África, a partir de seu descobrimento, por Cristóvão Colombo, em 1494. A Ilha passou quase dois séculos dominada por espanhóis até ser capturada definitivamente pelos ingleses. Chamado de Patois, (patoá) o dialeto rasta se estrutura sobre duas técnicas ou modos de apropriação e resignificação de termos, herança colonial da mistura entre a língua inglesa e línguas africanas. A primeira técnica é o sincretismo semântico; a segunda, fundamentada em um dogma religioso arcaico, reside em uma mística utilização do pronome pessoa de primeira pessoa do singular: “Eu” ou “I”. 

O sincretismo semântico rastafari promove a junção de palavras ou de fragmentos de palavras, como prefixos, radicais, produzindo uma resignificação dos termos formadores sem, contudo, extinguir completamente, o sentido anterior das palavras em seu uso original. Os novos conceitos expressam conceitos abstratos, subjetividades relacionadas às percepções, as vivências do que se utilizam deste idioma. Em muitos casos, a junção dos termos confere ao neologismo (nova palavra) um conteúdo nítido de crítica político-social e conseqüente afirmação de uma ideologia de oposição à situação a que faz referência. Neste tipo de sincretismo, as palavras não se somam simplesmente, elas se relacionam por intersecção de significados, por qualidades comuns aos objetos aos quais se referem. São exemplos deste sincretismo termos como: 

downpressers = down ^ opressers 

O termo reúne down=baixo e opressers=opressores, objetos que têm como atributo em comum um valor de negatividade existencial que pode ser traduzido pela compreensão de que opressores são depressivos, são down, deprimentes, baixo astral. Em outros exemplos, a mesma lógica se impõe nos casos seguintes:

 Poulitricks: políticos “dos truques”, trapaceiros, corruptos.

 Shity: city + shit reunião afirmativa de opinião significando que “cidade” implica “merda”, má situação, ou, em resumo, cidade-de-merda; ou ainda: 

 SHISTEM: (sistema-porcaria)

 SHITUATION:. (situação-porcaria, encrenca).


EU: LEMBRANÇA DE DEUS

A utilização do pronome “EU’’ é a segunda característica da linguagem rastafari. Este pronome é usado como prefixo e sufixo ou como parte de termos compostos. Em várias expressões substitui os pronomes você-tu e nós na comunicação interpessoal. Esta gramática estranha, que privilegia a primeira pessoa do singular, se explica como prática mística, exotérica (de domínio público). Suas raízes, entretanto, são “esotéricas” (com S e não com X), ou seja, não são de conhecimento do povo mas, antes, pertencem ao conhecimento da Tradição das Ciências Ocultas, do Hermetismo, ou seja, a razão da utilização peculiar do EU na língua rastafari somente pode ser explicada por Iniciados Ocultistas.

Em todas as religiões do mundo, o primeiro dos milhares de nomes de Deus é “EU SOU” ou ainda “EU SOU AQUELE QUE SOU” ou “EU SOU AQUILO QUE É”. Esta foi a resposta de Jeová (Yahvé – Jha+Yehva) quando Moisés, no alto do Monte Sinai, perguntou ao Deus que o guiara até ali “como chamá-lo?”, “como nomeá-lo perante o povo?” (BÍBLIA SAGRADA, Êxodo). Moisés é um personagem dos livros sagrados judaicos porém “EU SOU” já havia se manifestado e assim mesmo se identificado em tempos muito mais recuados, na Índia dos Vedas, escrituras que contêm um Livro da Criação. 

Nesta Cosmogênese hindu, o Universo objetivo nasce quando “o UM” em sua infinita solidão, tem uma primeira percepção de si mesmo (do divino self). No despertar de um Manvatara (ciclo de atividade do Universo) exclama “EU SOU!” - e ao acrescentar: “EU SOU ISTO!”, projetou a partir do seu SER ABSTRATO E IMPLÍCITO TUDO, todas coisas que existem, existiram e existirão, no Universo explícito, objetivo. 

EU SOU, como primeiro e único e verdadeiro nome de Deus, “PRIMEIRA PESSOA DE UM SINGULAR”, é uma firmação evidente de um dos três atributos divinos: a ONIPRESENÇA (além da onisciência e da onipotência). Onipresente, de fato, significa “presente em todo lugar, em tudo”. A recorrência ao pronome EU, sua repetição na linguagem rastafari, deve-se, portanto, ao sentido mais elevado que este monossílabo encerra. Em De Magistro, Santo Agostinho (mestre filósofo medieval do cristianismo católico ocidental) expõe o seguinte pensamento: se Deus de tudo sabe porque deve o homem rezar, pedir graças ou perdão se, de antemão, Deus já está a par do que se passa em nossas vidas? 

O sábio da Igreja conclui que rezar é um exercício mental que o homem faz; um exercício de memória e auto-condicionamento. Quando reza, em recolhimento, “na câmara secreta de seu coração”, concentrado na oração, o homem lembra ou re-lembra a si mesmo seus erros e acertos; ele se corrige, se perdoa e se premia. Ao rezar o homem se conecta com presença de Deus que nele habita nele próprio, homem, posto que Deus é onipresente. 

Psicólogos e ocultistas distinguem, na psique humana dois “EUs”. Um, objetivo e aparente. É o EGO, personalidade condicionada por família e sociedade. O EGO é marcado pelo nome e por suas referência mnemônicas (lembranças, memória) de tempo e lugar. O OUTRO EU, é chamado EU SUPERIOR cuja existência antecede e transcende o EGO. A característica do EU SUPERIOR é a INDIVIDUALIDADE, que não se confunde com personalidade e subsiste para além de nomes e registros civis.

Os rastafaris empregam a sonoridade da palavra EU pela ressonância (força vibratória) de seu significado ancestral e mesmo a-temporal. O EU ou I está presente em composições de vocábulos e expressões idiomáticas como lembrança cotidiana e constante (1°) da supremacia de Deus – O EU SUPERIOR; (2°) da identidade entre Homem e Deus por sua conexão metafísica. A excentricidade deste modo de falar funciona como uma espécie de didática para a reeducação da percepção self – o si mesmo – como algo maior que o Ego.

Quando um rastafari diz “I and I will be there” (Eu e eu estaremos lá) ao invés de I and he, ou I and you, (eu e ele, eu e você), a frase repercute no inconsciente como uma negação da Personalidade-Ego condicionado, contrapartida de afirmação do Eu-Superior-Indivíduo-Uno com o Todo, Uno com Deus. Em outro caso, o pronome é usado como prefixo indicativo de identificação entre pessoa-objeto-Deus, reconhecendo a unidade divina como essência da diversidade aparente entre as coisas. São exemplos:

 I-Tal: Eu-comida, Eu-alimento, ou Eu-Vital, Eu-coisa-vitalizante

 I-shence: incenso, Eu-Incenso

 I-praises/I-ses: Eu-oração

 I-reation=I-creation: Eu-Criação

 I-wer= I-power: Eu-poder

Em todos os casos, o sentido da composição é a afirmação do EU SOU, referência ao primeiro nome de Deus, EU, revelador da VERDADE UNA oculta em Maya – a ilusão da realidade múltipla. Dizer Eu-Vital é resumir o pensamento: Eu SOU este ser e também SOU este outro ser, alimento, substância vital. Então afirma-se EU SOU ÁRVORE, EU SOU ETIÓPIA, EU SOU VOCÊ, como declaração verbal de reconhecimento da onipresença de Deus porque Deus é tudo e todos; é incenso, é alimento, á água, pedra, vento, palavra, silêncio, poder, criação, planeta e grão de areia. Deus é todo tipo de SER: pedra bruta, mineral, planta, micróbio e também humano, racional, I-Tal – Tudo no Todo é Vital.

A utilização mística do pronome EU na linguagem está ligada, portanto, às influências religiosas que orientam o movimento da coletividade ou comunidade rastafari mundial. Os rastafaris, hoje, são como uma espécie de nação sem território ou representação política oficial. A Nação Rastafari se institui pelo compartilhamento espontâneo de valores ideológicos, filosóficos e religiosos. A ideologia se posiciona como crítica aos sistemas políticos vigentes: capitalismo neo-liberal e socialismo, meros rótulos impotentes frente aos abusos dos egos governantes das maiores potências do planeta. 

A filosofia destaca os aspectos metafísicos da ontologia, do SER do homem e do Universo, enfatizando a realidade sutil ou subjetiva do EU-Superior através do qual se explica a Unidade na Diversidade. Como religião, o rastafarianismo, apresenta um quadro de sincretismos onde o cristianismo predominante incorpora crenças, rituais, usos e costumes do judaísmo, do hermetismo gnóstico e até do islamismo, que também é uma religião constituída de mistura judaico-cristã.

Embora tenha surgido na Jamaica, a principal inspiração da cultura rastafari é a civilização Etíope, antiga Abissínia, considerada pátria-mãe de todos os cristãos africanos. Assim como em Igrejas mais antigas, como a Judaica, a Cristã Ortodoxa, a Católica Apostólica Romana, a Islâmica, o pensamento religiosos rastafari tem diferenças doutrinárias internas que dão origem a diferentes congregações. As mais conhecidas são: As Doze Tribos de Israel, mais ocidentalizada, os Nyabinghi e os Bobo Ashanti, afro-orientalistas que adotaram práticas de origem judaica e muçulmana evidentes tais como: proibição de comer carne de suínos, prescrição de ocultar os cabelos em público e certas regras aplicadas à conduta das mulheres.

Estas restrições poderiam ter suas origens rastreadas em épocas remotíssimas, mais uma vez, passando obrigatoriamente pela Índia dos Brâmanes e pela herança de uma das mais antigas das tribos judaicas, os proscritos Essênios, apontados, historicamente, como prováveis iniciadores do Cristo Jesus e que até hoje conservam seus costumes habitando o vale da Cachemira, norte da Índia.

Doze Tribos é uma congregação mais liberal no que se refere a costumes. Sua mensagem messiânica afirma uma fé inabalável no retorno do Salvador (Messias, Cristo). É uma religiosidade profética e apocalíptica, recomendando o estudo metódico da Bíblia Católica Apostólica Romana e também de textos Apócrifos (não reconhecido pelo Vaticano). Em meio a estas diferenças, a reverência à supremacia divina, a submissão à vontade do incognoscível EU SOU, é um traço de união não só entre as congregações Rastafari como também, entre os Rastafari e inúmeras outras correntes do pensamento teológico mundial. 

V. A Teologia mestiça dos Bobo-Ashanti

Bobo Ashanti é uma congregação rastafari que surgiu nos anos de 1950. Seu fundador, "Príncipe" Edward Charles Emmanuel, principal figura na história desta comunidade, é um exemplo bastante extremado da liderança carismática dos Elders dentro do sistema hierárquico das relações entre os rastas. "Elder", palavra do dialeto jamaicano Patois, certamente é uma corruptela fonético-ortográfica do inglês OLD e OLDEN, significando velho, antigo e ainda, familiar, conhecido. 

A designação destes líderes rastafaris, portanto, está ligada aos atributos específicos que a comunidade espera de um líder cujo "cargo" é vitalício. Maturidade como signo de saber, experiência acumulada e amplo conhecimento do perfil psicológico, consciente ou não, das pessoas a quem deverá orientar. Edward Emamanuel, chamado "Príncipe" por seus seguidores, em determinado momento de sualiderança religiosa, aderiu à idéia mística deseus seguidores de ele, Emmanuel, era, de fato, manifestação terrena e humana de uma das Pessoas da Santíssima Trindade, o próprio Jesus que havia retornado para guiar o povo no caminho da Salvação.


No Ocidente do século XX, o movimento Rastafari, ainda que por vezes apoiado em uma teologia questionável, representou e ainda representa um poderoso instrumento de resgate da identidade cultural dos povos negros em todo o mundo. Em sociedades culturalmente globalizadas, entre blasers, jeans e T-shirts, o apelo dos trajes afro-árabes do Elder é uma ousada manifestação de auto-estima étnica e orgulho da própria história. 

O mito em torno de Emmanuel começou a se formar em um evento que reuniu várias congregações rastafari a fim de discutir as diretrizes do movimento. O assunto que mais interessava aos participantes era a proposta de Repatriação, um anseio que há muito vinha crescendo entre os jamaicanos: o retorno à África como resgate de um destino natural que a atividade escravista havia distorcido de forma cruel. O Retorno era encarado como um direito dos descententes de escravos, uma dívida dos brancos para os negros, era um ato corretivo lógico para o grande erro europeu do passado, era um sonho na consciência negra. Durante a Convenção, Emmanuel liderou uma caminhada simbólica que decretava o fim do degredo forçado e início do esperado Retorno.

Sua atuação no episídio impressionou de tal maneira que boa parte da audiência foi tomada de grande respeito pelo Elder a que passaram a ver como dotado de uma aura divina em torno da qual foi elaborada toda uma tese teológica de reencarnação da Santíssima Trindade em pessoas terrenas que representavam o Pai, o Filho e o Espírito Santo, anunciando assim um tipo de manifestação material inédita da Unidade Incognóscível (Deus) que, no século XX, teria assumido condições de existência humana, como o próprio Cristo Jesus fizera. Desta vez, a Trindade estava corpofiricada em três indivíduos: além do Jesus-Emanuel Edward, o Filho, o Pai foi identificado em Haile Sellasie, o Imperador da Etiópia, voz africana de destaque internacional; quanto ao Espírito Santo, foi reconhecido no líder político Marcus Garvey, duas vezes personagem bíblico porque além de representar o Espírito Santo era visto como reencarnação de João Baptista, ou aquele que precedeu e previu a vinda do Cristo.


Evidentemente, a teologia dos Bobo-Ashanti é um alvo fácil para as críticas dos estudiosos. Haile Selassie que era bastante versado nos temas do cristianismo, que conhecia numerosos textos sagrados além da Bíblia canônica além de ser profundamente religioso, rejeitou inteiramente qualquer associação de sua pessoa com Jesus, o Cristo. Recusava adorações; lembrando que era apenas um homem afirmou: "não deve o homem adorar o homem", e colocava-se como humilde servo de Deus. Marcus Garvey também se negava a aceitar a exótica doutrina do Príncipe Emmanuel e mesmo de outros rastas, como o Elder Mr. Gad, das Doze Tribos, que também via Garvey como profeta e traçava analogias entre Garvey e João Batista, Selassie e Jesus, visão diferente portanto da de Emmanuel. Porém, Gad foi cauteloso, sempre usando metáforas e meias palavras. Há relatos de que Garvey chegou a considerar os rastafaris como fanáticos loucos por conta de tais idéias. 

Não obstante, o povo aceitou facilmente a esperança que vinha desta "Trindade" teologicamente duvidosa e Emmanuel assumiu plenamente seu papel de Messias Negro organizando sua Igreja com severas regras morais, adotando fortes signos de identidade e fundamentando seu discurso com passagens da Bíblia com ênfase especial para a regulação do comportamento contidas nos livros do Antigo Testamento. Quando fala de Repatriação, recorre com frequência aos episódios de cativeiro dos judeus: na Babilônia e no Egito. Além do judaismo cristão, também o islamismo parece exercer considerável influência no sistema de Emmanuel e nisto não há conflito pois que a doutrina muçulmana também foi construída com elementos retirados do judaísmo e do cristianismo.


SINCRETISMO SEM FRONTEIRAS

Na página oficial dos Bobo-Ashanti-Brasil, a Congregação se declara como Estado Parlamentar do qual "Prince Emmanuel" é "líder, presidente, Deus e Rei". Os principais objetivos deste Estado sem território estão assim relacionados: "Liberdade, redenção e repatriação" (retorno à África) ou ainda "África para os africanos, China para os chineses, Índia para os indianos, América para os Aruaques e Caraíbas e Europa para os Europeus". A denominação Bobo-Ashanti, que passou a ser usada a partir dos anos de 1970, é mais uma afirmação da identidade negra, referência ao passado glorioso das nações africanas. Bobo significa gente ou povo negro e shanti ou ashanti era a designação para os guerreiros entre os Kumasi, da atual República de Gana, antiga Costa do Ouro, norte-ocidental do continente.

O resgate cultural parece ser uma das preocupações centrais da ideologia da Congregação. Curiosamente, a originalidade dessa cultura há muito se perdeu entre entre os afro-descendentes que, nas Américas, assimilaram elementos das tradições de outros povos gerando uma expressão variada do modo ser Bobo-Ashanti. Os Bobo da Jamaica não são absolutamente iguais aos Bobo de Trinidad-Tobago, por exemplo, assim como não iguais aos seus ancestrais Kumasi. Mesmo na África, o contato com os europeus, árabes e judeus, há muito introduziram todo um corpo de idéias importadas e devidamente assimiladas que aparecem no modo de viver, nos padrões de consumo, na ordem social e, especialmente, no âmbito religioso. 

Atualmente, as religiões primitivas da África não pereceram, porém ocupam um lugar periférico em relação às "grandes" religiões: cristianismo Católico Romano, Protestante e Ortodoxo, judaísmo e islamismo (ao norte do continente) e hinduísmo (sul). Entre os Bobo, a herança judaico-cristão está concentrada na doutrina enquanto no cotiano da comunidade são adotados costumes que remetem às normas de comportamento islâmicas.


A simples visão dos sacerdotes Ashanti informa imediatamente o caráter sincrético de suas crenças e cultura como um todo. A doutrina é marcadamente judaica, a filosofia de vida em comunidade é cristã, o código social para as mulheres e a indumentária revelam a influência muçulmana, os dreads e uso da ganja remontam à Índia Antiga e as três cores simbólicas do rastafarianismo são tributo da Jamaica à Etiópia. 


O "Credo" dos Bobo é uma ilustração clara dessa mistura de crenças. Deus é denominado Jeová, como no Antigo Testamento Cristão e nas Escrituras Judaicas. Palavra composta, Jeová ou Jeovah reúne duas palavras do hebreu arcaico: Jod e Ieva, que significam "Homem e Mulher" ou "Adão e Eva", posto que Jod é o Lingam ou o símbolo fálico, e Ieva, é Ova, ou Ovo-mão, ou ainda arca, em referência ao sexo feminino. O "Jah" dos rastafaris é, portanto, a face masculina da divindade Jeovah, nome cujo significado, conforme exposto acima, se perdeu entre as mutações culturais dos séculos que se passaram. Outra peculiaridade do Credo Bobo é a referência ao Haile Selassie, último Imperador da Etiópia, como se fosse o próprio Deus, "nosso DEUS SELASSIE", seja como Deus-Pai ou como Deus-Filho, o Cristo - Messias, Salvador. 

O dogma Cristão da Santíssima Trindade, que não é somente cristão, ao contrário, é um dogma universal em relação à ontologia (forma de ser) de Deus, presente em todas as religiões do mundo, ganhou uma interpretação extremamente antropomórfica na concepção Bobo-Ashanti. Para os Bobo, a Trindade celeste manifesta-se na dimensão terrena corporificada nas figuras do Rei, do Profeta e do Sacerdote. Em pleno século XX os discípulos do Príncipe Emmanuel ampliaram a experiência de sacrifício em condição humana do Cristo Jesus. Nesta concepção, toda a Trindade assume formas humanas na Terra e cabe ao crente reconhecer a presença de Deus entre os líderes da comunidade. Foi assim que Selassie, Emmanuel e Garvey tornaram Personas daqueles que é Três e ao mesmo tempo é Um.

A etnia de Jesus, o Cristo é um dos temas mais notáveis da doutrina dos Bobo. Suas interpretações da Bíblia chamam aatenção para o fato dafigura de Jesus ser, em geral, representada de acordo com uma est´rtica européia, ariana. Um Cristo de olhos azuis e cabelos louros é inadmissível e nisto, os rastas do Congresso Etíope têm razão, posto que os judeus são semitas e, portanto, com características exteriores morenas, com cabelos e olhos pretos ou castanhos. 

Os Bobo radicalizam esta idéia e afirmam a negritude do Cristo assim como afirmam que seu retorno já ocorreu, seja na pessoa de Heile Selassie, seja o Príncipe Emmanuel. Além disso, acreditam que o verdadeiro povo judeu é originalmente negro e pensam em si mesmos como israelitas no degredo à espera da redenção, ou seja, do repatriamento. Esta pátria distante no tempo e no espaço seria um Reino de Israel que não consta da geografia histórica convencional, localizado na Etiópia, herança da união entre o rei Salomão e a Rainha de Sheba (Sabá) do relato bíblico. Neste contexto, referem-se ao Monte Sião como Zion em duplosentido: objetivamente, como um lugar do território etíope, e subjetivamente, como uma espécie de sinônimo para Paraíso e Terra Prometida.

SÁBADO

Outro traço característico do rastafarianismo Ashanti é a observância da consagração do sábado, de acordo com as prescrições do Êxodo, tradição do judaísmo à qual atribuem enorme importância. Aos sábados é proibido gastar gastar dinheiro ou trabalhar. É um dia de repouso no qual pratica-se o jejum e a oração. A observância deste preceito é considerada fundamental para garantir a "Vida Eterna". Existem também os "Dias Santos" ou Dias de Celebração próprios da comunidade e que em nada coicidem com os calendários das grandes religiões. São dias de comemoração que lembram eventos importantes da história do movimento rastafari, em especial, os que se relacionam com o Príncipe Emmanuel. Os Dias de celebração Bobo-Ashanti são os seguintes:

 7 de fevereiro: Ano Novo Etíope, começo do ano para o "Mundo Negro".

 1º de março: Neste dia, em 1958, foi aberto o Congresso Rastafari., momento histórico que marca o início da formação da Congregação Bobo ou o Etiópia Africa Black International Congress - Church of Divine Salvation (Congresso Internacional Negro Etíope-Africano - Igreja da Salvação Divina).

 23 de março: Dia da Imperatriz. Refere-se à formação da Liga de Libertação e Liberdade da Mulher, em 1980.

 21 de abril: Lembra a visista de Haile Selassie à Jamaica, em 1966.

 25 de maio: Dia da Libertação da África e da Fundação do Movimento pela Unidade Africana, em Adis Abeba (capital da Etiópia), em 1963.

 23 de julho: Comemora o nascimento do Imperador Haile Selassie, em 1892 - Ejarsa, Goro-Província de Harar, Etiópia.

 1º de agosto: Dia da Emancipação - abolição da escravatura no Caribe.

 17 de agosto: Nascimento de Marcus Garvey, em 1887 - St Anns Bay (Baía de Santana), Jamaica.

 2 de novembro: Coroação Haile Selassie e da Imperatriz Menene, em 1930 - Adis Abeba, Etiópia.

 7 de janeiro: Dia de nascimento do Cristo Negro, Príncipe Emmanuel. 

USOS E COSTUMES

Quase todos os homens da comunidade são profetas ou padres. Os profetas são pessoas a quem se credita grande sabedoria, são como conselheiros. Os padres são aqueles que conduzem cerimônias religiosas. Crianças e mulheres são subordinadas aos homens. Na Jamaica, os filhos dos Bobo frequentam uma escola: a Jerusalém School Room, onde recebem o ensino básico dentro do espírito religioso do grupo. Alguns jovens prosseguem seus estudos em Kingston, porém são casos muito raros. O comportamento de mulheres e homens sofre restrições de fundo moral. O mais curioso o que prescreve ocultar os cabelos, as tranças e dreads desaparecem nos turbantes afro-árabes característicos da indumentária da Congregação na qual predominam as cores branco e preto em contraste com eventuais acessórios coloridos. As mulheres também devem manter cobertos os braços e as pernas, não podem ficar sozinhas com homens estranhos e mantêm resguardo durante o período mestrual quando não podem cozinhar nem participar de cerimônias religiosas; estar menstruada é considerado um estado de impureza, exatamente como nas tradições judaica e muçulmana. O uso dos tambores africanos, os nyabinghi, em culto religiosos também é uma prática do rastafarianismo que foi incorporada plenamente pelos Bobo-Ashanti.


CONEXÃO TRINIDAD-TOBAGO

Na Jamaica, a comunidade vive em Bull Bay, nos arredores de Kingston; é a Bobo Hill ou "Colina dos Bobo-Ashanti" onde a maioria das casas são pintadas de vermelho, verde e amarelo e enfeitadas com bandeiras do movimento. Ali os Bobo já são uma tradição nacional e desenvolvem árias atividades que permitem um bom nível de vida dentro dos padrões despojados de ambições cosmopolitas. Apesar do aparente isolamento, mantêm relações profissionais com pessoas de fora a quem contratam para certos serviços e por quem são contratados. Os Shantis são hábeis artesãos, e cultivam lavouras de cerais, frutas e verduras. Nos anos de 1990 surgiram vários artistas na reggae music oriundos da comunidade Bobo-Ashanti de Bull Bay. Os mais conhecidos são Sizzla, Capleton, Anthony B., Turbulance e Ras Shiloh.

Em Trinidad, país insular muito próximo à Jamaica, a Comunidade Ashanti, que chegou a pouco tempo na região (SANKAR-ØYAN, 2003), está concentrada na Second Street, Main Road, em uma colina chamada Tanapuna. Ali eles se organizaram em um modo de vida no qual todas as coisas giram em torno do culto ao Cristo Negro, a afirmação da supremacia negra e o ideal de repatriação. Instalados há puco tempo na ilha, os Ashanti em Trinidad são cerca de 30 pessoas lideradas por Sua Majestade Padre Shanti Tafari Edward, considerado uma verdadeira manifestação (ou avatar) do Príncipe Emmanuel, fundador da Congregação na Jamaica. A organização social obedece a regras que são rigidamente observadas. Homens e mulheres vivem separados. As mulheres habitam o alto da colina. Assim como todos os homens referem-se uns aos outros como senhor, príncipe, rei, as mulheres são chamadas princesas, rainhas, imperatrizes e como tais são tratadas. 

Nada têm de fazer à serviço dos homens, que cuidam de sua própria alimentação e roupas. Elas se ocupam apenas de suas necessidades pessoais. O dia da comunidade começa as 5:30 h da manhã quando soa um toque de alvorada chamando osirmãos para a leitura de Salmos ao som de tambores. Somente depois deste ritual religioso tem início a rotina diária. A cozinha é uma ocupação muito importante. A comunidade sobrevive da venda ambulante de amendoins. A preparação dos amendoins é uma prioridade; afinal, é o produto que garante o sustento dos Shantis de Tinidad. Enquanto alguns preparam a iguaria, outros embalam os lotes já prontos para serem distribuídos aos vendedores que percorrrem a cidade. 

Todos se empenham nesta tarefa, inclusive o líder da comunidade, Padre Edward, obedecendo ao princípio da igualdade entre todos os irmãos. Ao meio-dia, é hora da segunda leitura de Salmos, que precede o almoço. A mesma prática se repete às 6 da tarde, hora dos Salmos noturnos e do jantar. A saúde fica por conta de um "especialista", um "medicine man", o Padre Obadiah. Há alfaiates para confeccionar as roupas e sapateiros que confecionam sandálias e outros calçados. Um toque de ocidentalidade contemporânea é uma televisão, somente admitida porque serve à comunidade como veículo de informação sobre os fatos de interesse que acontecem na ilha e no mundo. 

BIBLIOGRAFIA

Etiópia Africa Black International Congress
(Congresso Internacional Negro Etíope-Africano)
in BOBO-ASHANTI PORTUGUÊS

REDINGTON, Norman Hugh.
A sketch of rastafari history.
In BIGUP-RADIO.COM
acessado em setembro de 2004.

SANKAR-ØYAN, Regina.
Impressions from a Congress.
In TRINIDAD-TOBAGO.NET
acessado em outubro de 2004

Bobo Ashanti
WIKIPEDIA ONLINE

ZUELA, Sister.
Os Bobo-Ashanti
In RASTAFARI-REGGAE
 

 

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